CODEPENDÊNCIA
Às vezes, nos faltam sonhos, em outras, metas para alcançá-los. Tanto a falta de objetivos como os sonhos sem metas culminam em frustrações. O sentimento de fracasso diante da própria vida parece estimular o interesse em se ocupar da vida alheia e, em casos mais graves, ocupar a vida alheia. Isso mesmo, decidir pelo outro, responder pelo outro, agir pelo outro.
A necessidade de tomar para si, as responsabilidades de outras pessoas e assumir a culpa pelos erros alheios nada tem a ver com bondade ou compaixão, é a evidência de completo despreparo para gerir a si próprio e, como forma de recompensa, se assume no papel de bom samaritano, que a tudo renuncia para dedicar-se aos demais.
Fazer pelo outro ao invés de ensiná-lo ou permitir que experimente, aprenda, faça sozinho e para si próprio é desempoderar, é esvaziar o outro de seus potenciais e encher-se de créditos por supostas boas ações. Dar o peixe é alienar, é manter o outro refém. É o esforço inconsciente que se faz para deixar claros os papeis na relação - quem é que depende de quem. É apresentar-se mártir publicamente.
Não há nenhuma virtude no drama encenado no palco alheio. Não há honra em fazer tudo por alguém absolutamente capaz, porém, despreparado. Treinar é outra história. Ensinar a pescar é compartilhar conhecimento, é capacitar, empoderar, estimular a autonomia da outra pessoa. É saber que ela não dependerá de ninguém. É estar pronto para vê-la partir quando assim o desejar. É parar de fazer sombra e deixá-la vicejar e crescer na carreira solo.
Quando tornamos nossas vidas estéreis, precisamos nos sentir férteis na vida alheia. Queremos parecer e nos sentir necessários, indispensáveis. Fazemos isto para alimentar a nossa própria vaidade e o fazemos tão cronicamente que chegamos a nos convencer que somos realmente necessários, que o outro não é mais capaz de viver sem a nossa presença.
O outro, por sua vez, sob efeito da acomodação, sob o desconhecimento ou esquecimento de suas próprias capacidades e sob a ação de repetidas afirmações do tipo “coitado, ele não consegue“, “ela tem vergonha, é tímida”, “se deixar por conta dele/a, faz tudo errado”, a outra pessoa pode assumir e, em geral, assume mesmo, o papel de dependente, estorvo e bode expiatório, o responsável por todos os fracassos recentes, preexistentes e futuros na vida de seu “tutor“ existencial.
A capacidade de motivar pessoas a fazerem suas próprias escolhas e assumirem as responsabilidades por suas ações depende da prática do exercício de desinflar o próprio ego, da vontade de orgulhar mais pelo crescimento alheio do que por seus feitos em (des)favor de alguém. Depende de enfrentar os próprios demônios da ansiedade e suportar que o outro erre. Depende de se retirar do centro de todas as situações e contemplar os ensaios e erros de quem se preza, de estar pronto para apoiar e não para fazer no lugar de outros.
A apropriação dos deveres alheios ou, permissividade, sujeição, não resistência em assumir as responsabilidades e conseqüências por escolhas alheias, caracterizam relações humanas parasitárias – um hospedeiro para prover recursos e um parasita para destruí-los. Ainda que de modo inconsciente, o parasita irá minar as forças do hospedeiro e, em casos crônicos ou graves, irá literalmente roubar-lhe a vida.
O problema é composto da combinação de duas partes: uma que se julga indispensável, considera necessário se deixar extinguir para dar conta da vida da outra. E outra que se sente incapaz ou muito importante para ter de fazer qualquer coisa e, precisa sempre de outros para fazer por ela seus próprios deveres e obrigações. A primeira se aniquila, porém, costuma se vangloriar em forma de queixa, por repetidas afirmações sobre os investimentos financeiros e afetivos, as noites de sono perdidas, as dores sofridas, do sem-número de doenças desenvolvidas. A segunda, ou se sente incapaz e revoltada por não ter.
Artigo de Mara Lúcia Madureira

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